Introdução e capítulo I (As sombras dum mundo fechado), da Carta Encíclica Fratelli Tutti do Santo Padre Francisco sobre A Fraternidade e a Amizade Social


Imagem de Reynaldo Amadeu Dal Lin Junior Juba por Pixabay 

 

“Fratelli Tutti’ :Papa Francisco dá título e inicia sua encíclica, utilizando a mesma expressão usada por São Francisco de Assis ao dirigir-se a seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor de Evangelho.

Dos conselhos de São Francisco o papa destaca “o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da geografia e do espaço nele declara feliz quem ama o outro, “o seu irmão, tanto quando está longe, como quando está junto de si”.

O pontífice afirma que as questões relacionadas a fraternidade e a amizade social sempre estiveram entre suas preocupações. Além da inspiração de São Francisco, também “sentiu-se estimulado pelo grande Imã Almad Al – Tayyeb, com quem se encontrou em Abu Dhabi para lembrar que Deus “criou todos os seres humanos iguais nos direitos nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos.”  

A Encíclica tem como objetivo fundamental deter-se em sua dimensão universal, e naquilo que o amor tem de “abertura a todos” na construção da Fraternidade e Amizade Social. Para tanto, diz o Papa “entrego esta Encíclica Social como humilde contribuição para a reflexão a fim de que perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de Fraternidade e Amizade Social que não se limite a palavras.

O Santo Papa relata que quando estava a redigir esta carta, “irrompeu de forma inesperada a Pandemia do Covid 19, constatou que entre as várias respostas que deram os diferentes países, ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto. Apesar de estarmos superconectados, verificou-se uma fragmentação que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos.”

Ao concluir essa introdução Francisco nos revela: “Desejo ardentemente que neste tempo que nos cabe viver reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos um anseio mundial de Fraternidade. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma Terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos os irmãos.

Capítulo I

AS SOMBRAS DUM MUNDO FECHADO


Ao analisar alguns aspectos da realidade que vivemos, o Papa Francisco aponta os principais problemas ou “tendências do mundo atual que dificultam o desenvolvimento da Fraternidade universal”.

O pontífice aponta o que lhe parece ser as “sombras” de um mundo fechado, com dificuldade para sair do “Eu” e se abrir em diálogo para o “Nós” e o “bem comum”, para a “Fraternidade Universal”. Para tanto, o papa analisa a realidade em cinco grandes pontos a saber:

 No primeiro ponto destaca: sinais de regressão e o fim da consciência histórica ao constatar “pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas guerras e fracassos e, lentamente, ia caminhando para variadas formas de integração. Mas a história dá sinais de regressão: reacendem-se conflitos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados e agressivos. Nos alerta que com “a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos”. Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência. O avanço deste globalismo favorece normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres.” Dentro desse contexto há uma perda do sentido da história. Nota-se a penetração cultural duma espécie de ‘desconstrucionismo” em que a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero. Alerta que uma forma eficaz de dissolver a consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça e os percursos de integração é esvaziar e manipular as “grandes palavras” como Democracia, Liberdade, Justiça e Unidade.

 O segundo ponto a ser destacado pelo pontífice: Política sem projeto para todos. Constata que não há um projeto para todos “a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efémeras de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Nesse contexto, alerta que “partes da humanidade parecem sacrificáveis em benefício duma seleção que favorece a um setor humano digno de viver sem limites”. Salienta que no fundo as pessoas já não são vistas como um valor a respeitar e tutelar, especialmente os pobres, deficientes e idosos. Constata que nos tornamos insensíveis a qualquer forma de desperdício, a começar pelos alimentos. Percebe o abandono dos idosos numa dolorosa solidão, assim os “objetos de descarte não são somente os alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres humanos”. Sendo assim, o Santo Papa constata que, os direitos humanos não são iguais para todos. “Persistem hoje no mundo inúmeras formas de injustiças alimentadas por um modelo econômico fundada no lucro que não hesita em explorar, descartar e até matar o homem”. Revela também que a organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens. Com efeito, “duplamente pobres são as mulheres que padecem situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente tem menores possibilidades de defender seus direitos”. Salienta ainda que, enquanto uma parte da humanidade vive na opulência, outra parte vê sua dignidade não reconhecida, desprezada e seus direitos fundamentais ignorados ou violados.

Num terceiro ponto destaca a globalização e progresso sem um rumo comum e a Pandemia. O santo Papa reconhece os avanços na Ciência, na tecnologia, na medicina, na indústria e no bem-estar sobretudo nos países desenvolvidos. Mas ao mesmo tempo nota-se uma “deterioração da ética que condiciona a atividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade. Assinala que as crises políticas, a injustiça e a falta de distribuição equitativa dos recursos naturais, fazem morrer de fome milhões de crianças no mundo e que reina um inaceitável silêncio internacional.

O pontífice insiste em dizer “O isolamento e o fechamento em nós mesmos ou nos próprios interesses nunca serão o caminho para voltar a dar esperança e realizar uma renovação, mas é a proximidade, a cultura do encontro. O isolamento, não; a proximidade, sim. Cultura do confronto, não; Cultura do encontro, sim.”

Reconhece que a Pandemia do Covid 19 despertou, por algum tempo a consciência de sermos comunidade mundial, onde o mal de um prejudica a todos.” Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvar-nos juntos”. No entanto, afirma que corremos o risco de ver passada a crise sanitária, voltarmos ainda mais ao consumismo febril e em novas formas de autoproteção egoísta.  “Queira Deus, que não seja inútil tanto sofrimento, mas que tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros, para que a humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes livre das fronteiras que criamos.”

A quarta tendência destacada pelo papa, é a situação dos migrantes, que fogem das guerras, de perseguições, de catástrofes naturais. Outros andam a procura de oportunidades para si e para sua família. Percebe   que em alguns países de chegada, os fenômenos migratórios suscitam alarme e temores. Compreende que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas migrantes, mas nos convida a ultrapassar estas reações primárias, que nos tornam intolerantes e fechados. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro.


A quinta tendência do mundo contemporâneo destacada pelo pontífice é: a ilusão da comunicação. Nos alerta que “os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas”. Fazem falta gestos físicos, expressões do rosto, silêncios, o tremor das mãos, o rubor, a transpiração, porque tudo isso fala e faz parte da comunicação humana. Salienta que as relações digitais, tem aparência de sociabilidade, mas não constroem verdadeiramente um “nós”, habitualmente dissimulam e ampliam o individualismo e o desprezo dos frágeis. Conclui que, a conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade.  Ao que propõe buscar juntos a verdade no diálogo, na conversa tranquila ou na discussão apaixonada. É um caminho perseverante, feito também de silêncios e sofrimentos, mas capaz de recolher pacientemente a vasta experiências das pessoas e dos povos. Afirma que um caminho de fraternidade, local e universal, só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos aa encontros reais.

Ao finalizar o primeiro capítulo, o santo Papa nos motiva: “Apesar destas sombras densas que não se devem ignorar, nas próximas páginas desejo dar voz a tantos percursos de esperança. Com efeito, Deus continua a espalhar sementes de bem na humanidade.

Caminhemos na Esperança!  

Contribuição da Equipe Nossa Senhora do Amor Divino

                                                                                                                                                                        25 /02/ 2023